
- Por que você escolheu
“moda” como tema da sua tese de mestrado?
Eu também sou formada em Design de Moda e sempre gostei muito
desse universo. Sempre gostei de ver desfiles, entender como as tendências se
desenvolviam, a influência das ruas, como o contexto histórico e social
influenciava na moda. E no meio da minha graduação na Universidade Federal Fluminense
(UFF) assisti algumas aulas como ouvinte de uma disciplina chamada Mídia e
Moda, na época ministrada pela professora Ana Enne. Nessa disciplina, tive meu
olhar expandido e pude entender que há muita complexidade por trás do fenômeno
social que é a moda. Já na minha monografia, desenvolvi um estudo a respeito
das representações da moda na mídia televisiva, utilizando muito do que havia
apreendido nessa disciplina. Com isso, me deparei com “N” questões que me
incomodavam e me faziam pensar, o que me deixava com uma vontade enorme de
estudar. E ai pude perceber que eu tinha mais atração por enxergar a moda como
objeto de estudo do que de fazer parte diretamente do “universo da moda”, que
na verdade, não tenho muita paciência.
- Explique a sua tese
(como você fez a pesquisa? Quem você entrevistou? Entrevistou alguma blogueira?
Quais foram as conclusões que você chegou?)
No momento, estou coletando dados e fazendo algumas análises.
As entrevistas serão feitas mais para frente. Mas, para dar uma breve
explicação, o que me fez chegar a esse estudo foi o fenômeno dos blogs de moda.
Como eles cresceram e hoje fazem parte do dia a dia de milhões de participantes
da internet, que recorrem a essas páginas para tirar dúvidas, “aprender sobre moda”,
“ficar por dentro das tendências”. É impressionante a forma como eles passaram
a ser legitimados e como as pessoas acreditam neles como verdade absoluta,
mesmo que a dona do blog seja uma menina de 20 anos sem nenhum estudo formal
sobre o assunto que escreve. O número de fãs, admiradores e seguidores também
impressiona. Muitas blogueiras têm mais seguidores no Instagram do que atriz
global. Elas foram transformadas em celebridades da moda e hoje, nenhuma semana
de moda do mundo se faz sem convidar um número X de blogueiras para estarem na
primeira fila, comentando, filmando e postando em tempo real tudo o que se
passa. Fora que uma plataforma simplificada, como é o blog em sua origem,
passou a ser uma ferramenta midiática cheia de complexidade e se tornou fonte
de renda e arena de disputa de poder. Algumas blogueiras faturam R$70.000 por
mês (ou muito mais em alguns casos), e alguns blogs já são empresas. Esse
processo, intrigante e complicado de se compreender, é o que busco estudar e
está sendo muito enriquecedor, pois como se trata de um fenômeno vivo, todo dia
tem uma informação nova e muda tudo.
- Você lia sobre blogs
de moda? Sobre blogs ou os blogs em si?
Sobre os blogs eu lia muito pouco, pois ainda há uma escassez
de material direcionado a respeito, e espero que minha dissertação de mestrado
ajude um pouco nesse aspecto. E os blogs em si são engraçados, pois como disse
anteriormente, não gosto de participar diretamente desse “mundinho da moda”,
gosto mais de escrever, de observar. E com os blogs é a mesma coisa. Eu os via
mais como curiosidade do que como uma fonte legítima de informação. Não tinha a
menor paciência para aquela linguagem “afetada”, sabe? Que parecia que a
blogueira tinha tomado 60 latinhas de energético antes de escrever? E ficava
intrigada com todo aquele universo, com aquela adoração e dependência. A
blogueira aparecia com um coque mais básico impossível e com um rímel e
batonzinho rosa, aí chovia comentários do tipo “pelo amor de deus, ensina pra
gente como fazer esse coque e essa make fofíssima pro dia a dia”. Os
comentários são excelentes. Até os comentários negativos, pois isso acontece em
todo o processo da celebridade: o amor e o ódio. Claro que há aqueles blogs que
eu visito com mais frequência por realmente gostar da linguagem utilizada e
pegar umas dicas de auto maquiagem, afinal, sou mulher também (risos). E hoje
em dia, eu acabo visitando muitos blogs pela pesquisa.
- Você acha que a sua
opinião sobre blogs de moda mudou depois que você começou a estudar sobre o assunto?
Não. Eu nunca busquei os blogs de moda como uma fonte
legítima. Sempre visitei com curiosidade, com um olhar mais distanciado. O que
foi mudando foi a minha surpresa e questionamentos a respeito, na medida em que
fui percebendo detalhes ao vasculhar esse objeto. Mas a opinião que tenho hoje
pode ser diferente da opinião que vou ter quando finalizar o mestrado.
- O que você acha dos
looks dos dias da maioria das blogueiras, que supostamente buscam inspirar, mas
não buscam um preço acessível para as compradoras?
A sessão “look do dia” é cheia de polêmica, né? (risos) Esse
é um dos pontos da minha pesquisa também. E é bem complexo. Nos primórdios dos
blogs, as meninas faziam looks com o que tinham no armário ou com comprinhas
mais básicas que elas compartilhavam no blog. Hoje em dia, essa sessão é
completamente publicitária. Elas recebem a bolsa X, o sapato Y, a calça W,
fazem umas combinações e postam. Uma blogueira de muito sucesso e muita
audiência ganha uma fortuna para fazer propaganda. Ela não vai falar que
determinado produto é maravilhoso sem cobrar por isso. É como uma celebridade
que ganha para fazer publicidade. Hoje, os posts que são publicitários e não
tem aviso podem receber processo. Cabe as leitoras analisarem e verem que
aquilo ali não é a verdade. Fora que, mesmo que não se trate de um post
publicitário, elas vão usar produtos dentro da realidade delas. É uma situação
excludente mesmo. Parte-se do princípio de que as leitoras são de uma classe
social parecida e que ali se fala uma língua comum. E se você for analisar os
comentários, é de fato. Pelo menos a maioria. Em um post sobre maquiagem, por
exemplo, onde se usa muitos produtos de fora, as leitoras comentam que estão
gostando ou falam de outros produtos (tão caros quanto) que elas estão
experimentando. Uma conhecida dona de uma multimarcas comentou comigo uma vez
que a influência que elas têm no processo de consumo é assustador. Se a Lala
(Lala Rudge) aparecia com um sapato azul em um dia, no outro chovia perguntas
se ela tinha o “sapato azul da Lala”. Além dessa influência no consumo de moda,
tem outra questão, algumas blogueiras só utilizam marcas internacionais de luxo
e, mesmo assim, recebem milhares de visitas e centenas de comentários. Os blogs
chegaram a um patamar tão específico que essas meninas deixam de ser “gente
como a gente” e passam a ser celebridades. Quando uma blogueira posta seu “look
do jantar” e aparece de Stella McCartney, Gucci e Prada em uma só foto, os
comentários deixam de ser “nossa que lindo vou comprar amanhã” e passam a ser
“maravilhosa”, “diva”, “te amo”. E o propósito do blog começa a ser modificado,
onde as visitas são motivadas por outros fatores, como a admiração e o
acompanhamento da vida particular. Há uma hierarquização dos objetos, estudada
por Jean Baudrillard, onde as utilizações de alguns objetos apontam para uma
distinção social, e é o que eu vejo acontecendo com algumas blogueiras. Elas
passaram a atingir um patamar social dentro do imaginário de suas leitoras e
são vistas como alguém que não é comum. São adoradas, recebem elogios o dia
inteiro, são paparicadas pelas leitoras, recebem presentes. A utilização de
produtos diferenciados é um processo comum, que acompanha a humanidade e isso
já pode ser notado nesse universo das blogueiras de moda.